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De quem é a autoria?


Ilustração: Haidée Lima, gerada por AI, a partir de uma litogravura criada a partir de uma fotografia.
Ilustração: Haidée Lima, gerada por AI, a partir de uma litogravura criada a partir de uma fotografia.

Os textos recentes publicados aqui sobre Inteligência Artificial, foram ilustrados por Haidée Lima, e levantaram um ponto muito interessante no momento de sua publicação: considerando que as ilustrações foram criadas a partir de fotos da autora, manipuladas utilizando como meio o aplicativo Dream, como deveria ser dado o crédito para a imagem?


Para entender melhor essa pergunta, é importante investigar como é percebido por nós o papel do autor. A Autoria na civilização ocidental tem sido moldada por inúmeros fatores ao longo da história, incluindo normas culturais, avanços tecnológicos e estruturas legais. Na antiga Grécia, por exemplo, o conceito de autoria individual não era tão evidente como é hoje. Em vez disso, obras de literatura e filosofia eram frequentemente atribuídas a uma determinada escola ou grupo de pensadores, em vez de um autor individual.


Durante o período do Renascimento, apesar de materialmente as obras serem fruto do trabalho de grandes oficinas, com muitos artistas trabalhando em paralelo, foi quando a ideia do autor individual começou a ganhar força. Obras de arte, literatura e música foram cada vez mais atribuídas a criadores individuais, e seus nomes se tornaram associados às suas obras. Essa tendência continuou no período do Iluminismo, e se fortaleceu com a era moderna, tornando-se ainda mais central para a cultura ocidental.


Outra forma de entender o papel da autoria para nós, é pela observação das sociedades de raiz judaico-cristãs, nas quais o papel do autor como criador divino está profundamente enraizado, a partir da crença de que deus é o autor final do universo. De acordo com a teologia cristã, ele criou o mundo e todos os seus habitantes e continua governando-o de acordo com seu plano divino. Como tal, o ato de criação é visto como um reflexo da natureza divina e do poder criativo de um deus.


O surgimento da inteligência artificial então apresenta um novo desafio à noção tradicional de autoria. O que se observa é que à medida que a tecnologia de IA avança, as máquinas são percebidas como cada vez mais capazes de gerar obras criativas, como música, literatura e arte visual. Isso levanta questões sobre quem deve ser considerado o autor dessas obras, já que são criadas por uma combinação de orientação humana e aprendizado de máquina.


Em geral, a IA é programada para executar tarefas específicas com base em algoritmos e regras estabelecidas pelo programador ou desenvolvedor. No caso de um trabalho visual, a IA pode ser instruída a seguir uma série de diretrizes visuais e estilísticas fornecidas pela pessoa que a orientou, como escolha de cores, composição e estilo. Assim, pode-se argumentar que, embora a IA possa executar o trabalho visual com precisão e habilidade, a autoria do trabalho ainda pertence à pessoa que o orientou.


Outra abordagem, pode ser a de repensar nossa compreensão de autoria e criatividade. Considerando que as observações históricas feitas acima não dão conta nem de uma pluralidade que existia (e em certa medida ainda existe) há milhares de anos nos povos originários de praticamente todo mundo, excetuando-se a Europa. Em vez de ver a autoria como um empreendimento exclusivamente individualista, podemos precisar mudar para uma abordagem mais colaborativa e coletiva, reconhecendo o papel que a tecnologia desempenha no processo criativo.


Mas o que queremos dizer quando falamos em reconhecer o papel da tecnologia no processo criativo? Nesse ponto é importante expandir o conceito de colaboração e produção coletiva, entendendo, sob a influência do pensamento de Álvaro Vieira Pinto, que não existe tal coisa como a tecnologia ser apenas uma coleção de ferramentas e máquinas, mas mas sim como consequência de um arranjo social, uma espécie de teia, uma complexa rede de relações sociais que moldam seu desenvolvimento e uso.


Nesse sentido a autoria seria compartilhada não apenas com uma entidade abstrata chamada Inteligência Artificial, e nem com o Dream que é o app, mas também com os sócios que se uniram para desenvolver esse aplicativo, somados a cada um dos desenvolvedores que o codificaram, os usuários que compartilharam suas experiências e fizeram com que seja possível sua publicidade. Entre vários outros atores.


Essa simplificação na criação de uma "substância" que é a tecnologia adotada, leva à uma simplificação perigosa do entendimento do problema. Escondendo as estruturas de poder existentes nessa produção. Aqueles que controlam a tecnologia frequentemente têm poder e influência significativos sobre a sociedade, e a forma que estamos falando, pode contribuir para manter ou transformar as relações sociais existentes.


Seria ainda útil, para ambas abordagens, um passo atrás e uma discussão sobre dois conceitos associados ao tema, os grandes guarda-chuvas conceituais da Criatividade e da Inteligência. Mas isso fica para um próximo texto.


Texto escrito em colaboração com Haidée Lima






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