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Um pouco de biografia, um pouco de Espinosa e um questionamento sobre o design.


Introdução


Depois de 25 anos de experiência profissional em design, tendo nesse período baseado meu aprendizado em processos pessoais informais, meus esforços se voltaram para a academia. Como caminho na graduação fui para a Filosofia, em grande medida por entender naquele momento que tinha interesse por uma característica semelhante entre essas duas atividades humanas: a saber, tanto design quanto filosofia podem ser conteúdo, seja nas peças de design italiano ou na escrita de Roland Barthes (SONTAG, 1980), mas antes tudo são método.

Nesses anos, descobri novas aproximações e conheci novas formas do fazer filosófico que ultrapassam o método, práticas do nosso dia-a-dia, que remontam às gambiarras da adolescência, a reflexão sobre um orgulho do jeitinho brasileiro, uma observação com reverência e respeito dos vários usos do corpo. E num movimento que se diria dialético, que me jogou de volta à europa do surgimento da modernidade, encontrei o diáogo desse corpo com a história da filosofia tradicionalmente eurocêntrica, com um pensador que, mesmo sendo talvez um dos mais metodologicamente rigorosos na história, teve na filosofia como forma de vida sua maior característica: Baruch Espinosa.

Ao primeiro contato, muitas são as seduções do pensamento Espinosano: uma visão radical de liberdade (CHAUÍ, 2011), uma filosofia da potência (NEGRI, 2016), entendendo a teoria da Potência "por oposição à moral como uma teoria dos deveres" (DELEUZE, 2002) onde não se pode ser escravo nem dos outros nem de si mesmo, a crítica às paixões da alma como "motores exteriores" do nosso comportamento (JACQUET, 2015); a filosofia dos corpos, com o entendimento que somos afetados por outros corpos ao mesmo tempo que os afetamos e, talvez sobretudo, o conceito do "Conhecimento como o mais potente dos afetos" (MARTINS,, 2009). E é no conceito dos gêneros do conhecimento que fiz o caminho de volta ao método, agora com o objetivo de entender a atividade a qual me dedico há mais de 30 anos: o Design.

Gêneros do conhecimento

Segundo Deleuze e Guattari (2010) a filosofia é “a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos.” Assim como na ciência o experimento é o processo historicamente adotado para validação das hipóteses, na filosofia utiliza-se a linguagem e a lógica como meios para verificar se um conceito faz ou não sentido dentro de uma determinada natureza. Pelo menos desde Aristóteles (2016) a categorização foi um dos princípios dessa comprovação. Temos desde então uma grande variedade de entendimentos das formas de conhecer: fortemente na distinção da Opinião, Razão ou Intuição (RAMOND, 2010), o que chama nossa atenção na definição espinosana é que não estamos tratando de categorias compartimentalizadas, mas sim de graus de uma mesma atividade.

Se faz necessário, para o bom entendimento do pensamento espinosano sobre do conhecimento, dar um passo para trás e entender o monismo de espinosa.

Muito se falou sobre as origens da dualidade mente-corpo, se na tradição filosófica temos em Platão a alma como piloto do corpo ou a noção aristotélica da alma como regente do corpo, foi com a modernidade, que o tema da unidade do espírito (pensamento) e da matéria (natureza) tomam um lugar de destaque que escapa da filosofia e acaba sendo naturalizada na sociedade. Se o dualismo entre espírito e matéria indica que a essência da matéria consiste apenas na extensão (Ausdehnung) e a do espírito no pensamento (Denken). Essa definição traz um grave problema filosófico: como essas duas substâncias opostas que nos compõem, se comunicam? (problema da reconciliação ou unidade do espírito e da matéria). Se esse era um problema no pensamento de Descartes e Malebranche, a saída apresentada seria pensar. Deus (Gott) atuando como um terceiro, para mediar a unidade de pensamento (cogitatio) e matéria (extensio).

Frente à esse problema, Espinosa reage de forma diversa: negando uma oposição entre espírito e matéria, defendendo a existência de somente uma única substância, que é necessária, autônoma e causa de si mesma. Essa substância ele chama de Deus. De onde vem a frase Deus Sive Natura (Deus, ou seja, a natureza).

Sendo assim, no monismo de Espinosa, tanto o pensamento quanto a matéria são atributos de uma única substância. A novidade e sofisticação está em uma forma de pensar que não se baseia na identidade, na diferença, mas sim na continuidade. “A ordem e a conexão das ideias é o mesmo que a ordem e a conexão das coisas” (EII, p7)

Partindo desse princípio, faz todo sentido a divisão do conhecimento em graus, e não em tipos.

Para Espinosa, durante toda sua obra, os Gêneros do Conhecimento estiveram presentes, normalmente em 3 Gêneros, podemos defini-los e descrevê-los como:

Primeiro Gênero do Conhecimento: Imaginação

É possível entender o primeiro gênero como o grau específico dos circuitos de afetos e sua interpretação pelo humano, como a formação de um conhecimento por meio de "imagens confusas", em uma combinação de estímulos que vêm dos sentidos com nossa memória. Seu fruto é denominado por Espinosa como Idéia Inadequada, tem por definição que é "uma opinião em que depositamos nossa confiança enquanto nenhuma outra imagem a puser em dúvida" (CHAUÍ, 1995).

Segundo Gênero do Conhecimento: Razão

Na razão, conhecemos de forma adequada as noções comuns, as relações que ocorrem entre um todo e suas partes, é o grau da ciência, e do que mais comumente chamamos de conhecimento. No segundo grau estamos "Operando de acordo com a regra aritmética e sendo capazes de mostrar o caráter universal da regra" (RAMOND, 2010).

Terceiro Gênero do Conhecimento: intuição Intelectual

É o único grau que alcança as ideias adequadas, ou seja "as ideias das coisas enquanto essências singulares, conhecendo sua natureza íntima, por conhecer suas causas e efeitos necessários" (CHAUÍ, 1995), podemos entender então que o que existe nesse terceiro grau é uma superação inicialmente da percepção sensível, particular do primeiro grau, mas ao mesmo tempo do próprio universal, presente no segundo grau, inapto para apreender o singular como tal. Sendo assim seria uma espécie de percepção do pensamento (RAMOND, 2010)

Entendendo o Design como produção de projeto, mas também na sua produção material, que tem sido tratada como um meio de investigação em si (FRANKE, 2009), quais seriam as possibilidades de contribuição dos três gêneros do conhecimento de Espinosa ao Design?


Bibliografia

ARISTÓTELES. Categorias. In: Órganon. 3a. ed. São Paulo: Edipro, 2016. p. 645.

CHAGAS, E. F. Feuerbach e Espinosa: deus e natureza, dualismo ou unidade? Trans/Form/Ação, 2006.

CHAUÍ, M. Desejo, paixão e ação na ética de Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

CHAUÍ, M. Espinosa uma filosofia da liberdade. 2a. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1995.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é a Filosofia? 3. ed. São Paulo: Editora 34, 2010.

DELEUZE, G. Espinosa - Filosofia Prática. São Paulo: Escuta, 2002.

ESPINOSA, B. Ética. São Paulo: EDUSP, 2015.


FRANKE, B. Design as a Medium for Inquiry. Multiple Ways to Design Research - Research cases that reshape the design discipline, 2009.

JAQUET, C. A unidade do corpo e da mente - Afetos, ações e paixões em Espinosa. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

MARTINS, A. O mais potente dos afetos: Espinosa e Nietzsche. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

NEGRI, A. Espinosa subversivo e outros escritos. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.

RAMOND, C. Vocabulário de Espinosa. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

SONTAG, S. Remembering Barthes. The New York Review of Books, p. 1–6, 1980.


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1 Comment


maluhcosta
Aug 29, 2020

Oi Mabuse! um ótimo texto pra me fazer pensar sobre o design! Acho que Espinosa se encaixa tranquilamente no Design Crítico Especulativo que eu estou estudando.


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